Ontem à noite eu roí todas as minhas unhas.
Ontem à noite eu assaltei a geladeira. E, acredite, não fui a única.
Estava acompanhada de uma legião de seguidores.
De norte a sul do país. Quiçá do mundo!
Tudo por culpa da minha profissão nas horas vagas.
Na calada da noite, faço parte de um grupo que trabalha intensamente como torcedor.
No murmurinho do dia também.
Ser torcedor é praticamente uma profissão.
A gente tem hora marcada.
Não chega atrasado.
Não perde nenhum lance.
E, no dia seguinte, ainda faz relatório completo para os amigos.
Ser torcedor é sofrer antecipado.
É descascar o esmalte, é comer sem fome, é gritar quase sem voz.
E como a gente sofre!
A gente sofre com os centímetros a menos ou os centésimos a mais.
E sofre por um milésimo de segundo.
Já pensou nisso? É menos que um piscar de olhos.
Como explicar a paixão do torcedor? Essa pergunta me intriga.
Tem momentos em que a gente prefere nem olhar. A gente espia devagarinho, prende a respiração, contorce o corpo…
O coração dispara, as mãos suam, o peito dói e quase sempre os olhos lacrimejam.
Por que torcer mexe tanto com a nossa emoção?
Existe diagnóstico?
Da arquibancada ou do sofá da sala, somos transportados para dentro da quadra, do campo, da pista.
O estádio fica pequeno para a intensidade da nossa torcida.
Nem a física quântica é capaz de explicar.
De uma hora para outra somos especialistas em salto com vara, em arremesso de martelo.
Se a luta é tensa, a gente briga junto.
Se a bola não passa, a gente empurra.
Se o golpe não entra, a gente xinga, grita, esperneia, faz cara feia… como se isso fosse mudar o placar.
E muda. Uma boa torcida muda o placar, o pódio, a história.
Na teoria o esporte é esperança.
Na prática é possibilidade.
O esporte ensina que aquele tal de impossível não existe mesmo.
O esporte ensina que a repetição, o “fazer de novo”, o “mais uma vez”, têm resultados concretos.
Talvez aqui esteja a resposta.
Como torcedor a gente desafia o limite – mesmo que seja o limite do outro.
Essa satisfação momentânea nos faz, simplesmente, torcer.
Quando a vitória é surpreendente, a gente ganha junto.
Quando a derrota é inevitável, a gente chora junto.
Como torcedor a glória é nossa também, mesmo que por alguns minutos.
ps1: esse texto foi inspirado na torcedora de carteirinha, Taci Kalili.
ps2: veja o vídeo abaixo. é do meu filho. Nesse dia eu torci como nunca.
