Efeito chocolate!

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Hoje conversei com um abacaxi.
Na verdade, conversei com um doce de abacaxi. Parece loucura, mas a alegria tem dessas coisas!
Olhei para o doce e vi que suas metades estavam afastadinhas uma da outra. Coloquei minha luva de confeiteira e fui lá acariciar os pedacinhos cristalizados pelo açúcar belga.
O ato inconsciente de amor foi flagrado pela minha razão. No exato momento me peguei pensando na loucura da felicidade.
Quando se está feliz, até um abacaxi aceita bater um papo.
A alegria tem dessas coisas!

Tem uma música do Toquinho que diz para sermos felizes enquanto a tristeza estiver distraída. Talvez esse seja o segredo da vida. Ao invés de esperar pelo muito, decidi ser feliz em pequenas doses.
Com essa história do “tudo é possível” passei a buscar o impossível e, por conta dele, a esperar anos para o encontro com a felicidade.
Vou explicar: todo mundo agora se sente na obrigação de buscar pelo impossível. Estamos tão obcecados pelo sucesso, que esquecemos de apreciar as conquistas do dia a dia, esquecemos de comemorar o que é possível. Óbvio e louco, né?

Eu sempre sonhei em ter uma casa de chocolates. Sempre achei que lá morava minha felicidade. Com o trabalho e a correria da vida, me esqueci desse pequeno sonho. Ele foi ficando para trás, distante, quase apagado da memória. O meu “possível” foi se tornando impossível. Novas ambições roubaram o lugar do velho sonho. E o tempo, danado que só ele, não deixou de correr. Mas, para minha sorte, o possível continuou lá, insistindo para que eu olhasse para ele. Depois dos 45 do segundo tempo, já nos acréscimos, eu mudei o rumo do jogo. Com quase meio século de vida, lá fui eu resgatar o sonho da infância e acreditar no possível.

Agora meu trabalho é com chocolate e cafezinho. Lá na loja, tristeza não entra. Se entra, vai logo embora, constrangida pelo charme impiedoso e irresistível dos deliciosos chocolates.
Ali, passo várias horas do meu dia. Entre um cliente e outro, me pego falando com a máquina de café e com a vitrine cheia de bombons.

A alegria tem dessas coisas!

Tem o Manon, o Mystère, o Dueto, a Desirèe… cada um com seu estilo. O Manon é o mais assanhadinho, o preferido dos clientes. Talvez por ter recheio de café e avelã, ele ganhou um status de poderoso. Todo mundo respeita o Manon. Ao lado dele, fica o Casaléo, um ao leite todo riscadinho que conquistou de vez o paladar da Dona Maria, minha cliente fiel.
No cantinho da esquerda, bem na ponta da vitrine, está o Cerise. Um bombom cheio de personalidade. Ele veste uma capa vermelha para só revelar seu conteúdo licoroso ao ser trincado por dentes de bom gosto.
Nos últimos meses, minhas horas são divididas com eles. Ali, na loja mesmo, quando não há ninguém nos observando, é com eles que eu converso.
E aí, Sr.Manon, vai sair mais que os outros hoje?

A alegria tem dessas coisas!

São conversas corriqueiras… uma boa prosa que mantém minha sanidade em tempos de alegria.
E antes de fechar a loja, ouço baixinho minha voz saindo da boca…
Tchau, abacaxi. Durma bem. Amanhã eu volto.