Aprendi a escrever com uma cartilha chamada “Caminho Suave”.
As pessoas que tem mais ou menos a minha idade aprenderam da mesma maneira.
Não existia nada melhor no mundo para a alfabetização do que os exercícios de caligrafia daquela cartilha.
Alguém é capaz de se lembrar de um único daqueles exercícios sem dar uma busca no Google?
Sim, a minha mulher.
“Clarissa vai dar de comer às galinhas. Com a mão esquerda segura a ponta do avental…”
Ela falou isso enquanto cozinhava, nem precisou pensar muito.
Não precisou se concentrar de olhos fechados.
Ela lembra e pronto.
Tem uma memória impressionante. É tipo um super computador.
Vai dizer que você conhece alguém que sabe um texto da Inconfidência Mineira.
Eu pergunto e ela dispara:
“Atrás de portas fechadas, à luz de velas acesas…”
Por que alguém guarda isso em um canto da memória?
Quantas vezes você usa um texto sobre a Inconfidência Mineira na vida?
Sim, você usa.
Usa para mostrar para o seu marido que tudo será guardado em detalhes.
Que a sua memória vai desafiar o tempo e a lógica.
Que não adianta o seu marido pensar em discutir, porque você sempre vai se lembrar de algo que ele não se lembra.
O engraçado é que ela se orgulha disso, de se lembrar de coisas inúteis.
Lembra de textos de reportagens produzidas há décadas, lembra de um texto que viu em um filme com amigos da escola, quando ainda existia o colegial:
“Quando as coisas vão erradas, não pense que seus esforços tenham sido em vão. Talvez tudo isso tenha sido para melhor. Pode ser que seu aparente fracasso venha ser a ponta mágica para uma felicidade que antes você jamais conheceu…”
Por que falo isso com um certo desdém?
Pura inveja.
Ela acabou de me fazer uma pergunta… eu estou tentando lembrar o que comi hoje na hora do almoço e não consigo.
Ela sabe, mas eu não vou dar meu braço a torcer.