Hoje peguei minha filha no quarto, no pulo.
Inesperado, assustador, foi um flagrante.
Meu sapato de salto alto nos pequenos pés sonhadores.
Ela usava minha camisola azul, alguns colares comprados na feira hippie e, a tiracolo, sua bolsinha da Cinderela.
Foi um momento mágico. Naquele instante eu voltei no tempo. De repente me vi criança de novo.
Me lembrei das deliciosas broncas dadas por minha mãe.
Eu também mexia, revirava, bagunçava o guarda-roupas – impecavelmente arrumado – da senhora minha mãe.
Pegar o salto alto às escondidas era a maior contravenção de minha vida.
Hoje vejo que a minha filha me puxou. Como todas as filhas – de todas as mães – também me puxaram.
São pequenas memórias…
Memórias que vão sendo construídas na infância… e que se tornam a base de nossas vidas.
Minha mãe enfeitava o nosso lar.
Caprichava nos detalhes. Fazia o bolo de fubá perfumar a casa.
Alimentava nossa memória, sem a gente perceber.
Às 6 da manhã me acordava cantando. Uma voz tão doce quanto suas receitas.
Na lancheira da escola tinha pão, suco e, de sobremesa, um bilhetinho de amor, escrito por sua mão esquerda.
Minha mãe me ensinou a rezar. Me ensinou a acreditar no Papai do Céu e também no Noel.
No Natal as luzes da nossa árvore piscavam e bolas coloridas se quebravam só da gente olhar.
Na virada de ano, nossa maior esperança era fazer 3 pedidos com uma romã nas mãos.
Na páscoa a gente corria pela casa à procura do ovo, que geralmente ficava escondido atrás do sofá, no mesmo lugar, mas era sempre difícil encontrar.
Minha mãe me deu a chance de conhecer a imaginação.
A grande mulher da minha vida sempre meu deu colo.
A cama, que não era “king size”, se fazia grande o suficiente para me receber em qualquer madrugada assustadora.
De repente um soluçar de desculpas me traz de volta. “Mamãe, o salto quebrou.”
Eu olho ao meu redor e vejo um quarto todo bagunçado…
Hoje, no lugar da bronca, eu agradeço à minha filha.
Agradeço a oportunidade de construir suas memórias!
E em silêncio agradeço à minha mãe!