Eu ainda estou arrumando os sentimentos.
Tirei tudo da bagagem e decidi colocar no papel assim mesmo, do jeito que eles voltaram da
viagem.
Fui para o Haiti e uma mistura de emoções resolveu me acompanhar.
Alegria, tristeza, compaixão, raiva, piedade, medo, desejo de mudança.
As dúvidas rodeiam meu pensamento… pior do que isso, agora moem meu peito.
O Haiti tem dessas coisas.
Mexe com você de uma forma inexplicável.
Tristeza, tristeza, tristeza.
Vazio no olhar de um povo que pouco te olha.
Cabeça baixa, angústia na alma.
No Haiti tudo falta. Falta tudo.
Rio sem água, casa sem mesa, mesa sem prato, prato vazio, povo sem casa.
Vi rosto de criança já cansado de sofrer.
Felicidade pouco vi. A oportunidade também não anda por lá.
Esgoto a céu aberto, escombros de um terremoto que passou, que devastou.
Vi os restos da miséria.
O Haiti tem um colorido cinza, desigual, injusto, desumano, duro, difícil aceitar, impossível
suportar.
Meu coração viu o que os meus olhos nunca imaginaram enxergar.
Vi um povo quase sem fé.
Vi a falta de esperança e a espera de quem nada tem para encontrar.
No Haiti o futuro é passado. Pouco se tem para acreditar.
Doeu demais. Nenhum “band-aid” do mundo cicatriza a ferida interna.
Fui para Haiti em missão.
O sonho era entregar vestidinhos costurados por quem nem sabia costurar.
Projeto feito de sobras.
Vi o lençol de um se tornar a dignidade do outro.
Começou devagar e de repente a “Costuração” entrou em ação.
Veio uma amiga, depois a outra, mais uma e mais a outra.
A gente dividiu para multiplicar.
Tudo doado.
Tecidos foram chegando aos montes.
Fartura para vestir os corpos de quem tão pouco tem.
Em menos de um ano, a fábrica na sala de casa, ganhou nome, sonhos, 505 vestidos e 150
novas camisetas.
Fui para o Haiti.
Alegria, alegria, alegria.
Na bagagem levei a felicidade costurada com linhas.
Em doses pequenas, vi a diferença em cada olhar.
Vi crianças gratas, que sabem compartilhar até o que não têm.
Crianças que valorizam a etiqueta colada no presente novo.
Vi missionários arrancando sorrisos inexistentes…
Fazendo brotar alegria onde nem mato cresce.
Vi a troca de amor no olhar.
“Merci”, pela lição.
Dessa vez, não apenas vi… eu senti. Sim, há um Deus a nos guardar.
Cinco dias e algumas horas que vão mudar uma vida… se não a deles, de vez a minha.
O Haiti tem dessas coisas. Faz a gente rir e chorar.
Nem sei explicar, só sei que vou voltar.