Grande Deus

by Luciana Demichelli

Eu tenho um amigo, o Roberto, que diz que Deus gosta de ouvir Aretha Franklin.
A intimidade deles é tão grande que um conhece o gosto musical do outro.
Hoje acordei pensando nessa proximidade com Deus e me lembrei de como era a imagem de Deus na minha cabeça de criança.
Minha mãe sempre me dizia que Deus via tudo o que a gente fazia.
Nas mentiras, nas bagunças, qualquer coisa que a gente fazia de errado, Deus estava lá para ver. Eu comia chocolate escondido, só para Deus não ver.
Mas chegava a noite e quando minha mãe ia rezar comigo, eu descobria que Deus tinha contado para ela.
Ele contava tudo o que eu fazia. O legal é que ele falava das coisas boas também.

Grande Deus

Assim eu criei uma imagem de Deus.
Na minha infância Deus era um homem bem grande, poderoso, forte, do tamanho do Brasil inteiro.
A cabeça dele ficava no norte, na Serra do Navio, lá no Amapá.
De braços abertos e olhando para mim, o polegar direito dele estava na fronteira entre o Acre e o Amazonas e o dedo mindinho da mão esquerda batia lá em Aracajú.
Deus tinha os pés firmes no Rio Grande do Sul. Acho que o dedão do pé esquerdo se esticava até o Chuí.
Cresci com essa imagem até os anos 80, quando a gente foi comprar tênis chinesinho e chicletes de bolinha no Paraguai. Enquanto meu pai dirigia, minha mãe fazia uma oração pedindo a Deus para nos acompanhar. Naquele momento, eu vi Deus puxando o joelho em direção a Assunção. Ali eu sabia que ele ia viajar com a gente.

E a medida que o tempo passava e as viagens aumentavam na minha vida, Deus crescia.
O dia que eu fui para o Japão…. Coitado de Deus! Ele se espremeu todo e entrou no avião para não me deixar ir sozinha.
Hoje vivo longe do Brasil.
Acordei cedo e decidi comer um chocolate.
Liguei o som e estava tocando Aretha Franklin. Convidei Deus para ouvir comigo.
Dividi meu chocolate com ele e descobri que Deus é do tamanho do mundo.
Coincidência ou não, o coração dele fica bem na cidade onde eu vivo.

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