Caro,
Antes de mais nada, preciso confessar que eu fui uma das que debocharam da sua força. Nunca podia imaginar que um vírus tão pequeno fosse capaz de um estrago gigantesco como esse. Você mexeu com tudo. Nossa economia, nosso sistema, nosso medo. Despertou em nós sentimentos, preocupações e também solidariedade. Confesso que achei que você seria mais um desses aventureiros de passagem, mais uma promessa de estrago não cumprido. Eu duvidei de você. Assim como muita gente, fiz piadas, afinal você estava distante.
E foi essa distância que me aproximou da minha pequenez. Hoje parei para refletir. Tinha muita gente morrendo na China, mas ninguém do MEU convívio, ninguém da MINHA roda de amigos, ninguém que EU conhecia. E aí ficava fácil não te levar a sério. Você longe… não doía, não apertava o peito. Para MIM era efeito zero. Não afetava a MINHA vida. E com toda a MINHA superioridade, acreditei que você não sairia da China e, claro, estaria bem longe de MIM. Mas, aos poucos, você foi se aproximando, invadindo outros lares, outros países, outros continentes… você teve a ousadia de entrar na MINHA cidade, na MINHA vizinhança e agora fica aí batendo na MINHA porta, quer entrar na MINHA casa. Na MINHA? Como assim? Você se mostrou agora bem maior do que era, do que eu imaginava. Você se potencializou. Assustou MEUS amigos, contaminou MEUS vizinhos. E agora dói.
Você me fez correr ao mercado, me fez pensar no risco, nas estratégias, na vulnerabilidade do ser humano, me fez pensar no hoje… na MINHA pequenez. Me fez ver que EU não estou no controle de nada. Você me fez refletir no quanto EU não pensei no próximo, quando você não estava ainda tão próximo. Distante você dói menos… Só agora vejo as ruas vazias, as lojas fechadas, as vidas partindo.
EU imaginava que você só escolheria os outros. Você não tem preconceito, não confere passaporte, tamanho, idade, força, gênero, cor, nem conta bancária. Você decidiu se aproximar de qualquer um, em qualquer lugar, a qualquer hora. Você ME isolou do mundo. ME tirou de cena. Foi o único capaz de ME convencer a parar, a ficar em casa, a ter todo o tempo do mundo para a família, a tirar a poeira dos jogos de tabuleiro, a tirar os olhos do celular… a ver que não há echarpe de marca que substitua a máscara de proteção, nem perfume importado que valha mais do que um simples vidrinho de álcool gel. Você ME fez ver que nenhuma gaveta cheia de remédios substitui a importância de tomar mais água. Você não apenas me abriu os olhos, mas me fez lavar mais as mãos…
Definitivamente você me fez refletir! Imagino você agora rindo do meu carrinho de supermercado e – a um metro de distância- me dizendo baixinho: leva bastante papel higiênico que é para limpar toda essa “merda” de inversão de valores que VOCÊ ajudou a colocar do mundo. Coronavírus, obrigada por NOS fazer acordar.